Mulheres organizam-se e fortalecem debate sobre gênero dentro da UFSM
Recentemente, no dia 29 de outubro, o Conselho Universitário (Consu) da UFSM aprovou, por unanimidade, a minuta de resolução que instituirá a Política de Gênero na universidade. Anteriormente (em 15/10), a matéria já havia sido aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE).
Tendo sido construída, ao longo de aproximadamente cinco anos, em diálogo com movimentos de mulheres atuantes dentro da fora da instituição, a Política simboliza um ponto importante em uma caminhada que já vem sendo traçada há algum tempo por docentes, estudantes e técnicas-administrativas em educação. Caminhada que tem por objetivo central trazer, para dentro das formações e dos espaços institucionais da universidade, debates relacionados às questões de gênero, fomentando a elaboração de ações e projetos que visem a prevenir e combater violências e desigualdades.
Foram, então, muitas as ações que contribuíram para que a UFSM encerrasse o ano de 2021 com sua Política de Gênero aprovada. Em cada canto da universidade existem pessoas dedicadas a lançar luz sobre o machismo estrutural, sobre as assimetrias reservadas a homens e mulheres e sobre o papel da universidade na construção de uma sociedade mais igualitária.
Uma dessas ações é o projeto de extensão coordenado pela professora do Colégio Politécnico da UFSM, Laura Ferreira Cortes. Intitulado “Fórum de enfrentamento à violência por parceiro íntimo contra as mulheres do Município de Santa Maria: promoção da cultura de paz e superação da violência”, o projeto foi criado em 2019, a partir dos resultados obtidos na tese de doutorado de Laura. Segundo o trabalho acadêmico, Santa Maria carecia de uma rede de atenção articulada às mulheres em situação de violência.
Ou seja, os vários serviços do Estado que prestam atendimento nesses casos não dialogavam entre si, dificultando, assim, um melhor acolhimento das vítimas e o delineamento de ações efetivas de combate à violência. O projeto de extensão foi, dessa forma, criado para dar conta de uma deficiência apontada nas conclusões da tese. Hoje, ele se converteu em um Programa de Extensão, cujo “grande objetivo é ser um espaço de articulação entre os serviços, para criar essa rede potente e fortalecida que qualifique o atendimento dessas mulheres”, explica Laura.
Machismo estrutural e vozes dissonantes
Combater as violências e as desigualdades de gênero torna-se tão mais importante à medida em que vamos percebendo que todas as estruturas da sociedade são permeadas pela lógica patriarcal e machista – o que torna tal luta, além de central, difícil, pacienciosa e frontalmente contrária aos mecanismos de dominação e subordinação.
“Penso que o grande desafio da sociedade como um todo – e isso se expressa na universidade – é o machismo estrutural, que é transversal, está em todos os locais, em todas as concepções, e faz com que nós também estejamos imersas nessa cultura que é patriarcal. Isso se expressa em várias questões, desde na ausência de políticas de cotas para mulheres trans; no não reconhecimento da lacuna de produção acadêmica observada no Lattes das mulheres mães; na pouca presença de mulheres em cargos de gestão e chefias dentro da universidade; na não utilização, por muitos docentes, do nome social – embora a universidade já tenha adotado esse nome”, comenta Laura, para quem o debate sobre gênero deveria ser transversal e abordado em todos os cursos da universidade, bem como as questões relacionadas ao racismo e à sexualidade.
Contudo, se por um lado o machismo estrutural alastra-se por todas as estruturas e pelas pessoas que delas fazem parte, as vozes dissidentes e questionadoras têm sido cada vez mais potentes e possibilitado avanços, a exemplo da aprovação da Política de Gênero, considerada um avanço por Laura, que integrou a comissão responsável por elaborar o texto.
“A Política estimula ações afirmativas para que a gente possa superar essas desigualdades. Penso que foi um momento muito profícuo e fértil. São muitos os desafios na implementação dessa política, porque ela trata desde da assistência para as mulheres em situação de violência, com a criação de um serviço especializado para atender essas mulheres, até, por exemplo, questões de formação dos profissionais –precisamos abordar a temática do feminismo e das desigualdades de gênero na formação dos servidores e servidoras – e também a inclusão da linguagem não sexista na universidade. Essa política busca promover e incentivar que os centros e as unidades universitárias possam desenvolver ações e projetos que contribuam com a redução das desigualdades. É um processo desafiador e lento em toda a sociedade. Penso que somos privilegiados por podermos estar em uma universidade que se abre agora para discutir isso e avançar nesse aspecto”, avalia Laura.
Congratulações na Câmara
No último dia 9 de dezembro, Laura, coordenadora do Programa de Extensão, e Maria Celeste Landerdahl, docente aposentada do departamento de Enfermagem da UFSM e coordenadora da campanha ‘Santa Maria 50-50’, receberam uma moção de congratulações da Câmara de Vereadores(as) de Santa Maria por seus trabalhos direcionados ao fim da violência contra as mulheres e pela igualdade de gênero. A moção foi proposta pela vereadora Marina Callegaro.
Laura explica que o Fórum de Enfrentamento à Violência tem diversos ‘subprojetos’, dos quais a campanha ‘Santa Maria 50-50’ é um exemplo. Inspirada em uma agenda da Organização das Nações Unidas (ONU), a campanha visa fomentar a criação de políticas públicas e demais ações que promovam equidade de gênero e empoderamento econômico, afetivo e político das mulheres santa-marienses.
Outra iniciativa do Fórum é o curso ‘Segura’, realizado em 2020 com policiais e guarda municipal, a fim de qualifica-los para melhor atenderem mulheres em situação de violência. Em 2022, antecipa Laura, a ideia é que este curso seja lecionado para estudantes e profissionais das áreas da saúde e assistência social.
Todos os anos, também, ocorre o seminário ‘Tecendo Redes’, e, durante o primeiro ano da pandemia, foi instituído o ‘Disque Covid – Acolhe Mulheres’, visando a atender denúncias de mulheres que estivessem passando por algum tipo de violência dentro de casa durante a pandemia.
O Programa de Extensão não se esgota dentro da UFSM, instituindo canais de diálogo e construção coletiva com amplos setores da sociedade.
“Temos feito ações nas comunidades em Santa Maria, e temos uma série de ações, debates e intervenções previstas para 2022”, projeta Laura.
Ela ainda explica que, no âmbito municipal, o Fórum, em parceria com outros movimentos de mulheres, vem pautando duas questões centrais: uma diz respeito à criação de um Centro de Referência de Atendimento a Mulheres em Situação de Violência em Santa Maria (que leve os diversos serviços a dialogarem entre si); e a outra propõe a elaboração de uma nova lei para o Conselho Municipal das Mulheres. A lei que rege a composição e o funcionamento do Conselho é considerada antiga e defasada, de forma que a instância, hoje, não se mostra realmente representativa das mulheres que moram e se organizam nas diversas regiões do município.