A volta às salas de aula após o caos das chuvas

 A volta às salas de aula após o caos das chuvas

Entre os dias primeiro e 20 de maio, as aulas na UFSM foram suspensas, devido à intensidade das chuvas que atingiram não somente Santa Maria, mas o estado como um todo, deixando cidades inteiramente destruídas. No campus sede da Universidade não foi diferente, assim como o campus de Cachoeira do Sul, os dois mais atingidos. Semanas de suspensão foram necessárias para recuperar espaços afetados, incluindo os dos colégios Politécnico e CTISM. Contudo, no processo de retorno também é preciso ponderar a afetação psicológica deservidores/as e alunos/as, que acompanharam, de diferentes perspectivas, o Rio Grande do Sul sendo devastado em poucos dias. É possível retornar à normalidade das aulas em meio a um cenário tão caótico?

Na UFSM, o retorno ocorreu em 20 de maio, porém, com foco em ações de acolhimento e sem que pudessem ser aplicadas provas e trabalhos, segundo informações publicadas pela Instituição. A volta à normalidade total das atividades acadêmicas ocorreu apenas dia três de junho. Para se ter uma noção dos estragos provocados pelas chuvas, na Reitoria, a água inundou o Departamento de Arquivo Geral (DAG), os transformadores de energia e a Editora da Instituição. 

Já no Politécnico houve infiltrações em laboratórios de informática, de carnes e de saúde, além de alagamentos nos laboratórios de análise sensorial de alimentos e de microbiologia. No CTISM, o cenário não foi diferente, com salas de aula alagadas e laboratórios atingidos, exigindo um período de recuperação dos espaços. Período esse que precisou ser rápido, uma vez que o colégio, assim como demais setores da Universidade, corria o risco de perder alunos caso a suspensão das aulas perdurasse por muito tempo, conforme informa a professora do colégio e Secretária de Administração do Sinasefe de Santa Maria, Mariglei Maraschin. Saiba mais sobre as consequências das fortes chuvas na Universidade aqui.

UFSM alagada pelas fortes chuvas.

Os colégios

Para o Vice-Diretor do Colégio Politécnico, Moacir Bolzan, não haveria como definir uma data ideal para voltar às aulas, considerando a situação de catástrofe. Por isso, a UFSM realizou um diagnóstico acerca da situação dos estudantes e servidores para estabelecer as datas de retorno, citadas anteriormente. Nesse sentido, o Politécnico consultou seus discentes e avaliou os danos infraestruturais da escola antes de voltar, e, quando o fez, promoveu atividades de acolhimento voltadas às instabilidades emocionais pelas quais os alunos poderiam estar passando. 

Da mesma forma, o CTISM se mobilizou com atividades de recepção, ainda que nem mesmo os docentes soubessem como lidar com a situação. De acordo com Mariglei: ‘’precisamos aprender com esta situação e exigir espaços formativos antes que ocorram novas situações. Não é depois que acontece uma tragédia que vamos organizar algo. O professor, cada vez mais, tem que se instrumentalizar para o pedagógico. Não é somente saber e ser o melhor no conteúdo, mas saber lidar com as diferentes situações. E saber acolher, mediar e respeitar as diferentes realidades: quem foi atingido precisa de apoio e quem não foi precisa buscar alternativas para auxiliar, para agir rápido e eficazmente nos momentos de crise’’, reforça a Secretária. 

Ao encontro desse pensamento, a docente de psicologia da UFSM, Jana Zappe, esclarece que, nesse primeiro momento de retorno à rotina, é comum haver uma diversidade de emoções e comportamentos dentro de sala de aula. Por isso, os professores devem se mostrar disponíveis a acolher os alunos, para que eles entendam que possuem uma rede de apoio no ambiente escolar. ‘’É importante estar disponível para estar junto nesse momento delicado, o que envolve desde escutar quem desejar falar, quanto respeitar o silêncio de quem não deseja se manifestar’’, comenta a psicóloga.

O sentimento de impotência

Jana ainda explica que sentimentos de sobrecarga, confusão, desorientação e medo são respostas esperadas em momentos como este de grande mudança na normalidade. E o nível de afetação de cada indivíduo depende de uma série de fatores, que vão desde o envolvimento direto com os alagamentos até o quão estabilizado estava o psicológico antes da catástrofe.

‘’A sensação de culpa e de impotência pode estar relacionada com a dimensão do desastre, pois ele realmente ultrapassa a nossa capacidade de resposta, tanto individualmente quanto coletivamente. É perfeitamente razoável nos sentirmos pequenos, frágeis e impotentes para enfrentar uma avalanche de perdas humanas e materiais em grande escala, e é perfeitamente compreensível o nosso sofrimento diante desses sentimentos e acontecimentos’’, destaca a docente. 

A estudante do curso Técnico em Secretariado do Colégio Politécnico, Milena Neves, relata ter sofrido com os sentimentos citados acima, atrapalhando inclusive seu desempenho em sala de aula, no retorno feito ao final de maio: ‘’eu não me sentia preparada para retornar na semana do dia 20 de maio. Analisando não apenas o que senti, mas também as situações de outras pessoas, acredito que poderíamos ter esperado mais um tempo antes de voltar, porque os primeiros dias foram difíceis. Além de toda a situação do estado e do sentimento de luto, o ritmo das atividades havia sido perdido. Tive dificuldade de concentração’’, expõe a aluna.

A partir de relatos como esse, ainda que Jana Zappe não acredite ser concebível esquecer completamente o ocorrido, a psicóloga defende que é possível tentar lidar melhor com a situação, por meio do convívio com uma rede de apoio e ambientes de acolhimento, pois coletivamente é menos difícil enfrentar a situação. ‘’Podemos sair do sentimento de impotência, que é legítimo, quando partimos para alguma ação de enfrentamento’’, comenta a docente. Para isso, existem variadas possibilidades de solidariedade, como disponibilização de recursos financeiros, água, comida, roupa e até mesmo tempo, por meio de voluntariado.

O docente Moacir Bolzan comprova a eficiência da coletividade para combater os sentimentos ruins: ‘’sabemos que o fardo emocional da tragédia pode parecer insuportável quando carregado sozinho. Por isso, houve um grande esforço para a busca de apoio nas relações interpessoais, o que proporcionou um alívio significativo na situação de crise sentida por cada um de nós. Compartilhar as preocupações e sentimentos reduziu o isolamento emocional e funcionou como uma fonte de conforto e suporte de segurança’’, relata Bolzan. Então, ao mesmo tempo em que voltar à rotina pode ser dificultoso e exigir de nós mais esforços, o retorno à normalidade também pode amenizar as sensações de impotência, tristeza e frustração. É importante buscar pelo equilíbrio neste momento, não nos isolando da rotina, mas sem forçar atividades que possam provocar a sensação de sobrecarga.

Revisão do calendário da UFSM

Por mais que o período ainda seja de recuperação dos espaços afetados pelas chuvas, já surgem novas aflições em decorrência das incertezas relacionadas ao término do primeiro semestre letivo da UFSM, afinal, houve uma interrupção significativa de três semanas no calendário letivo. No entanto, o Reitor Luciano Schuch informou, em reunião aberta realizada dia 23 de maio, que o novo calendário acadêmico será estruturado apenas quando a greve dos docentes e técnico-administrativos em educação (TAEs) acabar. O movimento grevista iniciou em março com os TAEs e, em abril, o corpo docente aderiu à mobilização. 

Até o momento de publicação desta reportagem, não há previsão para o fim da greve.


Texto: Laurent Keller

Imagem: Xainã Pitaguary e arquivo pessoal

Edição: Fritz Rivail

Laurent Keller

Estudante de jornalismo.

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