Consciência Negra para muito além do 20 de novembro
No último domingo, 20 de novembro, celebrou-se o Dia da Consciência Negra, data alusiva à morte de Zumbi dos Palmares em 1695, símbolo da resistência negra durante o século XVII. Desde 2003, quando o marco foi escolhido, muito se evoluiu em políticas públicas voltadas às demandas da negritude e ao combate do racismo no Brasil. Contudo, ainda em 2022, 134 anos após o fim da escravidão, existem lacunas extremamente problemáticas a serem superadas pela sociedade brasileira em relação à sua herança racista.
Para se ter uma ideia, mesmo com 56% da população nacional se autodeclarando negra, esse grupo populacional ocupa apenas 30% dos cargos de chefia, conforme divulgado pelo IBGE. Nas universidades, ações afirmativas estimulam a entrada de pretos nas Federais, mas não garantem sua permanência até a conclusão dos cursos, com menos de 20% dos ingressantes se formando, de acordo com estudo do INEP de 2010. Já em mortes pela polícia, foram registrados 6416 óbitos de corpos pretos em 2020, conforme expõem dados do Anuário de Segurança Pública. Tal valor equivale a 78% do total de mortes, o que revela o racismo enraizado nas mais diversas práticas dos brasileiros.
Apesar de o mês de novembro ser sempre marcado por diversos eventos e mídias voltadas à discussão racial, parece que as práticas antirracistas ainda pouco se desvinculam desse período. Na própria UFSM, que promove frequentemente ações voltadas para a temática do racismo e das ações afirmativas, as ideias não se concretizam como deveriam. Isso porque, dos seus 1784 professores ativos do ensino superior, somente nove são pretos e 65 pardos, número equivalente a 3,64% do total, segundo informações de 2021, da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (PROGEP).
Além de tais números serem problemáticos em si, eles escondem outras questões que precisam ser discutidas, como a visão eurocêntrica e norte-centrada acerca dos conteúdos lecionados dentro da instituição. O Doutor em Geografia e Professor Coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) da UFSM, Anderson Luiz Machado dos Santos, explica os entraves da falta de pluralidade no ensino universitário: ‘’essa forma de viver e pensar a vida é um dos balizadores da sociedade capitalista, patriarcal e racista em que estamos inseridos. […] Não é à toa que nós, negros e negras, ocupamos os cargos menos relevantes na estrutura econômica, social e política do país. Consequentemente, esse racismo também impacta na estrutura da universidade, porque ela é um reflexo da sociedade que nos constitui.’’
Apesar disso, Santos acredita que as instituições federais de ensino evoluíram em sua conjuntura por meio de ações afirmativas, como a Lei de Cotas, que completa 10 anos de implantação em 2022. Porém, a estagnação não pode ocorrer, é preciso seguir colocando em prática novas medidas igualitárias.
‘’Precisamos empreender uma luta política pela descolonização dos saberes que constituem a universidade, e não partir da concepção de que existe um único pensamento que pode guiar a humanidade‘’, reforça dos Santos.
Atuação do NEABI na UFSM
Para contribuir com a inserção de pautas ligadas à identidade negra e indígena na UFSM, o NEABI trabalha, há 20 anos, como uma mola propulsora de discussões acerca de ações afirmativas na instituição, com contribuição significativa na adoção da política de cotas há uma década, inclusive. Já hoje em dia, o Núcleo coordena cinco projetos de extensão, promove eventos com temas relacionados à negritude e aos povos originários, e desenvolve a formação pedagógica de docentes a partir de uma concepção antirracista.
De acordo com o coordenador do NEABI, é preciso que haja atividades como essas para reafirmar a presença de negros e indígenas dentro das instituições de ensino, porque, para ele, ‘’só será dessa forma, com a cara, os corpos, os blacks e os cocares, que a universidade se tornará efetivamente democrática.’’
Assim como em 2021 foi aprovada a Política de Igualdade de Gênero na UFSM, fruto da caminhada e mobilização dos grupos de mulheres, o objetivo, agora, é aprovar uma Política Etnicorracial na instituição, “que seja capaz de combater o racismo e promover as formas de cultura e saberes da população negra e indígena. Essa política precisa aprofundar elementos já existentes e construir novas possibilidades para a nossa plenitude no espaço universitário”, explica Santos.
Em 2022, o patrono do Mês da Consciência Negra na UFSM foi o professor Sérgio Pires, falecido na década de 1990 e um dos primeiros docentes negros da instituição. Referência no movimento social, negro e sindical, ele recebeu, no último dia 11 de novembro, por meio de seus familiares, uma homenagem da universidade pela qual bravamente lutou.
Acompanhe o NEABI no Instagram.
Texto: Laurent Keller
Edição: Bruna Homrich