Professoras avaliam como urgente a revogação do Novo Ensino Médio

 Professoras avaliam como urgente a revogação do Novo Ensino Médio

A última quarta-feira, 15 de março, foi marcada por protestos de estudantes, professores, movimentos sociais e demais atores envolvidos no cenário da educação brasileira. Em vários pontos do país, mobilizações exigiam a revogação do Novo Ensino Médio (NEM), implementado com a lei nº 13.415, de 2017, e em cuja essência está uma reorganização curricular e a implementação dos chamados ‘itinerários formativos’, com a limitação de carga horária reservada a uma série de disciplinas até então obrigatórias.

A contrariedade à Reforma do Ensino Médio não é de hoje, tendo sido a pauta principal das ocupações secundaristas no ano de 2016. Naquele momento, escolas de Ensino Médio e também universidades eram ocupadas para reivindicar a rejeição à Medida Provisória (MP) 746/2016, que propunha o NEM. Posteriormente, Michel Temer, à época presidente, sancionou a MP, transformando-a na lei que hoje conhecemos.

Ocupação contra a Reforma do Ensino Médio, em 2016 (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

Para Adriana Bonumá, secretária de Assuntos Legislativos e Jurídicos do Sinasefe Santa Maria e professora no Colégio Militar de Santa Maria, o NEM é uma proposta hierarquizante e construída sem ter tido o amplo debate com os principais envolvidos e afetados pelas mudanças: estudantes e professores.

“Não haveria um grande problema na diversificação curricular que os itinerários propõem, mas houve uma desorganização da formação geral básica, e acabou que disciplinas muito importantes que fazem parte dessa formação tiveram sua carga horária extremamente reduzida, ficando a obrigatoriedade basicamente de Língua Portuguesa e Matemática. Foi reduzida drasticamente a oferta de Sociologia, Biologia, Filosofia, Artes, Química”, explica a dirigente.

Adriana comenta que o Colégio Militar de Santa Maria, onde leciona, fez a adaptação curricular demandada pela lei do NEM, conseguindo que os itinerários formativos seguissem a lógica das carreiras universitárias e abarcassem o foco para concursos, vestibulares e Enem. Contudo, diferentemente desse caso ou mesmo da realidade das escolas privadas, na rede pública a situação é bem diferente, levando a que a reforma do Ensino Médio assuma contornos completamente distintos a depender da classe social a que pertencem os estudantes que acessam determinada escola.

“As escolas públicas tiveram uma grande dificuldade de implementar o Novo Ensino Médio. O que acabou acontecendo é que houve uma miscelânea de disciplinas criadas pelas diferentes escolas, e que muito pouco podem auxiliar nessa formação tão importante que é o Ensino Médio. Talvez como uma forma de complementação do currículo tudo bem, mas elas estão sendo criadas dentro de itinerários formativos, o que é um grande problema. Essas escolas que implementaram disciplinas tão diferentes, tirando disciplinas fundamentais para a formação – diferentemente de escolas privadas, que fizeram seu currículo atrelado a Enem e a vestibulares – terão estudantes com condições de concorrência [para acessar o ensino superior]? Observamos que a discrepância e a desigualdade de condições tende a se ampliar cada vez mais. Acredito que essa seja uma boa razão para que seja revogado o Novo Ensino Médio”, argumenta Adriana.

Intensificando as desigualdades

Cláudia do Amaral, secretária geral do Sinasefe Santa Maria e professora do Colégio Politécnico da Ufsm, corrobora a opinião de Adriana acerca das desigualdades existentes na implementação do NEM em escolas públicas e privadas. O resultado tende a ser um aligeiramento da formação de jovens da classe trabalhadora e uma elitização da universidade pública, tendo em vista que estudantes de escolas privadas, tradicionalmente também possuidores de condições para pagar cursos complementares de preparo para processos seletivos das universidades, teriam mais chances de ingresso nos bancos acadêmicos.

Sinasefe participou de protesto contra o NEM na última quarta, 15, em Brasília (DF)

“Esse ‘Novo Ensino Médio’ vai acabar por intensificar as desigualdades da educação para o pobre e para o rico, porque a lei é bem limitada, com exigência apenas de disciplinas básicas como Português, Matemática e Inglês, e um aprofundamento a partir de um itinerário relativo a cada área do conhecimento. O sujeito que está em uma comunidade que oferece um eixo de aprofundamento profissional em Mecânica, mas tem o sonho de ser médico, deveria cursar o aprofundamento em Ciências da Natureza, mas ele não vai poder ter acesso a essa disciplina, talvez de forma muito precária, porque não vai ser obrigatória no currículo. E na escola privada continuam sendo dadas todas as disciplinas”, reflete Cláudia.

Hoje, devido ao NEM, os itinerários de formação profissional têm, de forma geral, preconizado uma formação voltada ao empreendedorismo.

“Mas de que forma o empreendedorismo vem sendo tratado nas escolas nesse momento de precarização do trabalho, de descaso e flexibilização das leis trabalhistas, em que cada sujeito se torna uma empresa? Isso pode ser muito danoso para esses sujeitos, principalmente estudantes pobres de escola pública. Também tem de se refletir sobre os processos seletivos. A Ufsm está discutindo o retorno do vestibular. Como vai ser? Serão repensados a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e o Novo Ensino Médio?”, questiona, com preocupação, a secretária geral do sindicato.

No Politécnico, explica, foi elaborado o itinerário integrado, formado por todas as áreas do conhecimento, pois a comunidade da unidade entende que, de 14 a 18 anos, o jovem necessita ter acesso a todas as áreas para, em seguida, realizar sua escolha profissional.

Retomar as metas do PNE

Ao invés de impor uma educação fragmentada e restrita para a escola pública, como observado no NEM, o foco deveria ser retomar as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e promover à juventude mais oportunidades de acesso ao conhecimento. A avaliação é de Mariglei Maraschin, professora do Colégio Técnico Industrial (CTISM) da Ufsm, para quem é urgente e necessário revogar o NEM, tendo em vista que ele acentua a diferenciação entre as classes sociais.

“Para a escola pública uma educação fragmentada, restrita e que não desenvolve o sujeito como um todo. Na Educação privada uma educação integral, com muitas possibilidades de desenvolvimento. A revogação é importante para termos, de fato, um amplo debate sobre uma etapa tão fundamental da vida dos nossos estudantes. Precisamos retomar as metas do PNE e olharmos para as diferentes redes em nosso país. Temos, por exemplo, na Educação Profissional um modelo de Ensino Médio que é referência em todo o país: o Ensino Médio Integrado. A Rede de EPT oportuniza formação integrada com qualidade e promovendo sujeitos que têm a oportunidade de conviver, de desenvolver pesquisas e de desenvolver-se em todas as áreas, além da Profissional. Temos que promover mais aos nossos jovens e não cada vez menos…temos que valorizar todas as áreas e não privilegiar apenas algumas…”, defende a docente.

Que lugar a Reforma do Ensino Médio reserva ao EJA?

Uma provocação levantada por Mariglei é relativa à importância da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e à secundarização que a modalidade ocupa na lei do NEM.

“Por bastante tempo ela não apareceu nas discussões. Mas retomar uma política de Educação passa necessariamente por pensar estratégias de formação para trabalhadores sem escolaridade em nosso país. Por isso, a EJA e a EJA-EPT precisam entrar neste debate e nesta retomada de uma política educacional em um novo governo que elegeu-se com as bandeiras da Educação e da Educação Profissional e como estratégia de desenvolvimento, principalmente pós pandemia”.

O Sinasefe, desde quando o NEM era ainda apenas um projeto, tem se envolvido na luta contra a reforma, construída à revelia do que pensavam a comunidade escolar e pesquisadores do mundo da Educação.

Bruna Homrich

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