2° ENNIQ: início do evento é marcado por debates pertinentes a pautas raciais

 2° ENNIQ: início do evento é marcado por debates pertinentes a pautas raciais

Na última quarta-feira, 22 de março, a segunda edição do Encontro de Negros, Negras, Indígenas e Quilombolas (ENNIQ) do Sinasefe teve início, em Maceió-AL, contando com oficinas diversificadas e abertura oficial do evento. E, no dia 23, foi aberto espaço para discussões acerca da identidade de pessoas pretas e indígenas no Brasil, cotas raciais, racismo religioso, além de apresentações artísticas relacionadas ao tema. As atividades estão contando com a participação de 301 sindicalizados, sendo 80% negros(as), indígenas ou quilombolas.

Ao longo do dia 23, ocorreram quatro mesas de discussão e cinco performances culturais. Para iniciar a programação, o tema a ser discutido foi Aquilombar-se e aldear-se é preciso: em defesa das identidades e territorialidades no Brasil. A partir da mediação da doutora em História e professora do Ifal, Camila Dornelles, a mesa debateu sobre a importância de fortalecer o poder popular no país, a fim de que as demandas do povo sejam atendidas. O Presidente Nacional da Unidade Popular (UP), Leonardo Péricles, um dos palestrantes, afirmou de modo incisivo que para que tais exigências se cumpram, é preciso ‘’ir pra cima’’, no sentido de se organizar e promover a luta necessária.

Outro convidado da mesa, o educador popular indígena e um dos fundadores do Tribunal Popular da Terra, Givanildo Manoel, reivindicou pelo reconhecimento das lutas indígenas, haja vista que, até o século XVIII, elas eram hegemônicas no combate à escravidão. Segundo o educador, atualmente, há um grande esforço para reconstruir o direito à memória dos povos originários, que é apagada nos mais diversos campos, inclusive o acadêmico.

A mesa contou também com a participação da Mestra em Sustentabilidade Junto a Povos e Territórios Tradicionais e Doutoranda em Antropologia e Antropologia Social Elionice Sacramento.

Já no início da tarde de quinta-feira, o debate foi sobre os 10 anos desde a criação das cotas raciais no Brasil, contando com a mediação da Coordenadora Geral do Sinasefe IFBA, Marlene Socorro, e a participação dos seguintes palestrantes: o Membro da Associação Brasileira de Antropologia, integrando os Comitês de Assuntos Indígenas, de Antropólogos Indígenas e de Relações Internacionais, Felipe Tuxá, a Ex-diretora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI) da Ufal e coordenadora Geral do Consórcio Nacional de Neabis, Lígia Ferreira, e da Diretora de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis do IFBA, Marcilene Garcia.

Tuxá relembrou que a política de cotas não chegou de maneira gratuita, mas sim por meio de muita luta dos movimentos indígenas e negros. Nesse sentido, ele instigou os convidados a pensarem a respeito dos seus lugares nessa discussão sobre inclusão e inserção dos grupos minoritários em diferentes contextos da sociedade. Ao encontro desse pensamento, Lígia destacou que os cotistas não estão tentando ‘’roubar’’ a vaga de outras pessoas, apenas buscando por seus lugares em espaços que, historicamente, não lhes eram concedidos. De acordo com ela, “as políticas de ações afirmativas foram construídas pensando em toda nossa ancestralidade; o espaço acadêmico começou a se transformar como efeito dessas políticas, com estímulo à produção e reprodução científica, artística e cultural afro-brasileira e indígena aliada à divulgação”. 

Contudo, somente as cotas não resolvem outros problemas relacionados a questões raciais dentro do ambiente acadêmico, como lembrou a representante do Sinasefe Santa Maria e Técnica-Administrativa em Educação (TAE) da UFSM, Cassiana Marques: ‘’eu sou a única mulher negra na gestão da UFSM, há cinco anos. Na instituição, nós temos 2011 docentes e 2508 TAE´s, dos quais 157 são autodeclarados negros, sendo 13 docentes e 143 TAE´s.’Com estes dados em mente, a servidora questiona os demais participantes da mesa sobre como ela deveria se inserir nesse ambiente, já que ela é ‘’praticamente um ponto preto nesse local, tentando lutar contra o racismo dentro da Universidade.’’ 

Em sua fala, Cassiana ainda elucidou uma problemática recorrente da UFSM, os casos de racismo contra estudantes. Ainda nesta semana, um novo ato aconteceu: alguém escreveu ‘’macacos’’ e desenhou símbolos nazistas em um dos banheiros da União Universitária do campus sede.

Ainda no dia 23, aconteceram debates sobre a arte como movimento de resistência étnica e sobre racismo religioso. Para falar sobre a questão artística, foram convidados a debater: a Doutoranda pelo Programa em Crítica Cultural da Uneb, Ana Fátima dos Santos, a Coordenadora Estadual das Comunidades Quilombolas do Piauí e integrante da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas do Brasil, Maria Rosalina, e o pesquisador indígena e integrante do Movimento Intelectual Indígena no Nordeste, Marcelo Botó. Por intermédio do Coordenador do NEABI da Ifal, Richard Plácido, Botó denunciou a exclusão e a invisibilização dos povos originários no processo de construção da arte e cultura do Brasil. Por isso, a importância do cinema de guerrilha é tão grande: “procuramos resistir da forma mais original possível, com a arte e as ciências do nosso território”, frisou o convidado.

Findando a noite, houve o debate acerca da liberdade dos cultos das religiões de matrizes africanas e cosmologias indígenas, mediado pela professora de Sociologia do IFMA, Katiuscia Pinheiro, e enriquecido pelas falas do Sócio-fundador e líder da ONG Casa de Caridade de Candomblé Ilè Axé Odadara Xangô Agodô, Pai Alex, da Dirigente da Nzo Kwa Minkisi Nkasuté ye Kitembu Mvila e membra da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, Mãe Bárbara, e do ativista indígena e Coordenador do projeto Há indígenas em SP, Sassá Tupinambá.

Nesta mesa, um dos grandes destaques foi o momento de fala do Pai Alex, que se apresentou como um descendente da ‘’quebra dos terreiros’’, episódio triste de 1912 da história de Alagoas quando todos os terreiros de religiões de matriz africana foram violentamente atacados. O palestrante também expôs ter sofrido preconceito durante toda sua vida, o que fez com que ele não conseguisse completar seus estudos, e reforçou que ‘’enquanto o povo negro e os sacerdotes de umbanda não se unirem para formar a bancada do axé, não vai haver política pública contra o racismo religios.’’

O 2° ENNIQ segue com atividades até domingo, dia 26. Confira a programação dos próximos dias aqui e siga acompanhando nosso site e redes sociais para permanecer informado sobre o evento.


Texto: Laurent Keller

Imagens: Sinasefe Nacional

Edição: Bruna Homrich

Laurent Keller

Estudante de jornalismo.

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