A luta constante por democracia nas universidades federais

 A luta constante por democracia nas universidades federais

Nesta sexta, 11 de abril, integrantes do Conselho Universitário (Consu) da UFSM se debruçam sobre as propostas que buscam organizar o processo sucessório à reitoria da instituição. Conforme a documentação encaminhada pela Administração, haverá uma Pesquisa de Opinião com a comunidade universitária com voto paritário, ou seja, com peso igual entre docentes, estudantes e técnico-administrativos/as.

Entretanto, a “pesquisa de opinião” é apenas uma forma que a maioria das universidades têm encontrado para driblar a falta de democracia, fruto de legislações antigas e antidemocráticas, como a lei nº 5.540 de 28.11.1968 e a lei nº 9.394, de 20.12.1996 (LDB), que mantêm a necessidade de escolha do reitor/a em um colegiado com proporcionalidade de 70% para docentes e 30% dividido entre estudantes e técnicos/as, além de estabelecer que a nomeação dos/as eleitos/as passa por uma lista tríplice encaminhada ao Ministério da Educação.

Atualmente, conforme publicado no Jornal da Universidade, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do total de 69 universidades federais existentes, 75,36% delas realizam consulta (ou pesquisa) com voto paritário. Ou seja, 52 instituições têm voto paritário, 16 não têm paridade e 1 universidade tem modalidade híbrida.

No RS, das seis instituições, apenas a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) não leva em conta a paridade. Todavia, a UFSM é um caso exemplar de que, chamar uma consulta informal ou uma pesquisa de opinião, não garante a segurança jurídica do processo. Em 2021, no processo eleitoral mais recente, uma ação na Justiça Federal foi impetrada e teve decisão favorável no sentido de impor os moldes de 70% a 30%.

Em função desse quadro complexo, as entidades sindicais, Sedufsm, Assufsm, Atens-SN e Sinasefe-SM, lançaram esta semana uma campanha que busca sedimentar na comunidade universitária, não apenas a ideia de que a escolha dos/as dirigentes da universidade passa pelo voto paritário, mas também enfatizando a necessidade de democracia interna, com respeito ao resultado da “pesquisa de opinião”, além de propor a união de forças para mudar a legislação no que tange a estabelecer como regra a paridade (fim do peso 70% a 30%) e o fim da exigência do envio de uma lista tríplice ao governo.

Importância do voto paritário

Para o presidente da Sedufsm, professor Everton Picolotto, ter paridade no voto significa a garantia de um processo democrático na instituição, em função de que todos os segmentos podem participar com peso similar no voto na definição dos rumos da instituição. “Quando a gente está escolhendo um reitor ou reitora, a gente está escolhendo também uma proposta, um projeto de ideias que estão sendo apresentadas. Então, não diz respeito apenas aos docentes essa questão, mas sim ao conjunto da comunidade universitária”, frisa o professor.

Na mesma linha, a técnico-administrativa Natália San Martin dos Santos (*), da coordenação-geral da Assufsm, argumenta que o voto paritário é importante porque promove uma representação mais democrática e equitativa de todos os segmentos da comunidade acadêmica no processo decisório. Segundo Natália, o voto paritário garante que “nenhum segmento da comunidade acadêmica domine a escolha da gestão. Ao invés disso, fomenta um processo mais dialógico e colaborativo, em que as diferentes perspectivas e necessidades são levadas em consideração”, complementa ela.

Salete de Jesus Souza Rizzati, presidenta da Atens-SM, avalia que “o voto paritário valoriza e fortalece a autonomia da universidade porque reflete de uma forma mais equitativa o interesse de todos os segmentos da instituição, fortalecendo o comprometimento dos segmentos com o cumprimento das funções da universidade”.

O coordenador-geral do Sinasefe Santa Maria, José Abílio Lima de Freitas, lembra de período recente em que “passamos por momentos em que a democracia foi atacada e a universidade também foi bastante atacada, gerando retrocessos. Nesse sentido, o voto paritário é fundamental para a gente reforçar nossa postura em defesa da democracia perante a própria sociedade”, enfatiza ele.

O impacto político do voto com peso 70% a 30%

Na visão do professor Everton Picolotto, presidente da Sedufsm, é incongruente com a democracia uma legislação que dá peso muito maior à categoria docente, dando a esse voto a possibilidade de definir praticamente sozinho a eleição. Ele ressalta que, pela legislação, o colégio eleitoral que elege formalmente os/as futuros/as gestores/as são os conselhos superiores. “Ou seja, nem é preciso ouvir a comunidade universitária, mas só os conselhos, que são pouco mais de 100 pessoas, o que faz dessa legislação uma ferramenta arcaica e antidemocrática”, critica.

Para a integrante da coordenação-geral da Assufsm, Natália San Martin dos Santos (*), a manutenção da legislação com voto 70% a 30% evidencia “a dificuldade de os grupos de poder adequarem-se à sociedade atual, impedindo que as diversas vozes que compõem a universidade sejam ouvidas com mesmo status”.

Já no entendimento da presidenta da Atens-SM, Salete Rizzati, “o modelo 70% a 30% limita a democratização da gestão universitária porque centraliza o poder de decisão em um único segmento da instituição, no caso, o docente, o que causa desinteresse, desmobilização e desvalorização das outras categorias- técnico-administrativo/a e discente.

A legislação antidemocrática

Desde 2011 tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 2699. Sobre o processo de escolha dos dirigentes universitários, a proposta visa alterar o parágrafo único do artigo 56 da Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e os incisos II e III do artigo 16 da Lei n.º 5.540, de 28 de novembro de 1968, que fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média.

Traduzindo em miúdos, a nova legislação instituiria o que hoje se pratica por regulamentação interna nas universidades federais: representação igualmente distribuída entre docentes, discentes e técnico-administrativos/as na escolha de dirigentes. Ainda, no caso de consulta prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, prevaleceriam votação uninominal e pesos iguais para a manifestação dos professores, técnicos/as e estudantes.

Em novembro de 2023, algumas universidades chegaram a comemorar a aprovação do PL que extingue a lista tríplice para nomeação de reitores e reitoras pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. O texto, que substituiria a lista tríplice pelo encaminhamento ao Ministério da Educação apenas dos nomes do(a) reitor(a) e do(a) vice-reitor(a) eleitos(as) pela comunidade acadêmica, está parado após apresentação de um recurso e aguarda deliberação da Mesa Diretora da Câmara.

Por outro lado, existe uma legislação com viés totalmente diferente no que se refere aos Institutos Federais, que também são vinculados ao MEC. A regulamentação do processo se dá através da lei nº 11.892 (28 de dezembro de 2008), que criou os IFs, e também pelo decreto nº 6.986 de 2009.

Essa legislação prevê que haja um processo de consulta à comunidade acadêmica (docentes, técnico-administrativos/as e estudantes), com o mesmo peso para o voto dos três segmentos. O nome vencedor nesse processo de consulta é enviado para o Presidente da República fazer a nomeação, e não precisa de lista tríplice. 

Além das regras definidas por lei, cada instituição tem autonomia para construir seu próprio regulamento para o processo de consulta. São eleitas uma comissão central e comissões locais em cada campus e na reitoria responsáveis por fazer as normas e organizar o processo de consulta.

De que forma mudar a o que está posto?

Na perspectiva apresentada pela Assufsm, através da coordenadora-geral, Natália San Martin dos Santos (*), a permanência da atual legislação, com o peso de voto nas diversas instância de 70% a 30%, causa uma série de impactos internos nas instituições. Dentre esses efeitos, segundo ela, um desequilíbrio de poder, já que “a voz dos docentes, especialmente os de classes mais altas (titulares e associados), tem um peso desproporcionalmente maior na decisão”. Para ela, isso pode levar a decisões que “privilegiam os interesses desse grupo em detrimento das necessidades e prioridades dos TAEs e estudantes”.

Natália rememora que, em 2024, a Fasubra, juntamente com o Sinasefe, incluiu nas pautas da greve levadas ao Governo Federal, a necessidade de revisão da democracia nas universidades e institutos federais, principalmente quanto ao fim da lista tríplice e paridade nas eleições para a Reitoria. Ela acrescenta que isso consta no termo de acordo assinado em junho de 2024, mas que, porém, não tem avançado.

Everton Picolotto, presidente da Sedufsm, argumenta que, para que essa realidade antidemocrática seja alterada, é preciso um movimento amplo, que deve ser feito tanto pela comunidade universitária, como está sendo feito pelas entidades da UFSM, quanto pelos reitores e reitoras, através da Andifes, também pelos órgãos de representação nacional, aumentando a pressão para que se tenha uma mudança na legislação, a exemplo de leis mais arejadas, como as que regem os Institutos Federais.

Na visão da presidenta da Atens-SM, Salete Rizzati, o processo que pode levar à mudança tem passos bem simples, tais como:

– Proporcionar o debate nas Unidades de Ensino para descentralizar a discussão e fortalecer a decisão da comunidade acadêmica;

  – Divulgar a experiência do voto paritário adotada em outras instituições, como exemplo de participação democrática e valorização de todos os segmentos da universidade;

 – Construir coletivamente o regimento eleitoral com o apoio das entidades representativas da instituição.


(*) As opiniões manifestadas por Natália San Martin dos Santos foram construídas em conjunto com os demais integrantes da coordenação-geral da Assufsm: Alessandra Alfaro Bastos e Ciro Oliveira. 


Texto publicado originalmente no site da Sedufsm
Edição: Fritz R. Nunes com informações do Jornal da Universidade/UFRGS
Arte: Italo de Paula com foto de Filippe Richardt

Fritz Nunes

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