Docentes avaliam relevância das eleições municipais

 Docentes avaliam relevância das eleições municipais

Nos últimos tempos, os olhares têm se voltado bastante para Brasília, com a disputa presidencial acirrada em 2022 e os efeitos da polarização política que se estende até os dias atuais. Contudo, 2024 é ano de eleições municipais em todo o país. Qual a relevância desse processo?

Diante dessa interrogação, fomos ouvir alguns estudiosos da área de História e de Ciência Política para saber como avaliam essa questão. Para além do pleito em si mesmo, também foram levantadas questões sobre a relação de importância que se dá à eleição ao Executivo e a do Legislativo e, ainda, sobre de que forma o tema da educação está sendo tratado no processo eleitoral.

“É importante valorizar o pleito do município porque é por meio do poder local que as demandas relacionadas à educação, saúde, assistência social, política habitacional são trabalhadas”, argumenta o doutor em História e professor do Colégio Politécnico da UFSM Leonardo Botega.

Para a cientista política Rosana Soares Campos, professora do departamento de Ciências Sociais da UFSM, a importância está no fato de que é no município onde o poder público mais se aproxima do cidadão. “É o espaço no qual é possível exercer com mais força a responsividade, o compromisso entre governo local e os cidadãos”, frisa ela.

Moacir Bolzan, doutor em História e vice-diretor do Colégio Politécnico também entende que é fundamental valorizar o processo eleitoral municipal. Ele cita exemplos recentes como a pandemia de Covid-19 e os eventos climáticos extremos para mostrar a importância do trabalho de gestores/as municipais. ‘’Penso que as recentes catástrofes serviram para mostrar, ainda mais,  o quanto as decisões políticas próximas que passam por prefeitos e vereadores podem agilizar a resolução de problemas que ocorrem na esfera política mais próxima da vida das pessoas’’, ressalta o professor.

Concordando com as demais avaliações, Reginaldo Perez, cientista político e docente no departamento de Ciências Sociais da UFSM, entende que é “enorme” a relevância das eleições municipais. “É nos municípios que as pessoas vivem. É ali que as coisas acontecem e as rotinas se estabelecem. E é no âmbito dos municípios que as pessoas, eleitores e não eleitores, têm contato mais direto com os decisores públicos. Dito de maneira mais simples: é nos municípios que as pessoas se aproximam da política. Uma eleição municipal, como a que teremos daqui a alguns dias, produz aprendizado político – sentindo-se as pessoas vencedoras ou derrotadas”.

O papel do Legislativo

Entretanto, apesar da relevância que prefeitos/as e vereadores/as possuem frente à tomada de decisões que afetam diretamente a vida de cidadãos e cidadãs, os entrevistados e a entrevistada acreditam que existe um menosprezo em relação à importância de eleger bons nomes para o Legislativo municipal. Isso ocorre, na visão do vice-diretor do Politécnico, Moacir Bolzan, por causa da personalização que acontece durante o processo eleitoral, que fortalece, na visão dele, ‘’as relações pessoais entre eleitor e candidato, em detrimento da formação de partidos políticos identificados com ideologias e programas bem definidos’’. 

Leonardo Botega explica que existe uma cultura política de desvalorização do espaço da Câmara de Vereadores enquanto um local de definições da grande política, que, muitas vezes, é enxergado com um ambiente de ‘’despacho de demandas’’. Na visão dele, ‘’isso reduz a ação do(a) vereador(a) a uma mera política clientelista e fortalece a personificação’’.

Ele avalia também que é por conta disso que a escolha de quem vota para vereador acaba deixada para os últimos momentos antes da eleição. ‘’Muitas vezes, a escolha é feita por proximidade pessoal: ‘o meu amigo, o meu vizinho, o cara que conseguiu fazer o governo tapar o buraco da minha rua’, enfim. Isso enfraquece muito a democracia, pois enfraquece o debate sobre concepção de cidade’’, destaca o professor. Por decorrência, torna-se mais difícil renovar o quadro de representantes políticos das cidades, o que, para a população, é um grande prejuízo, assinala.

Rosana Soares Campos concorda com a ideia de uma certa secundarização do papel do Legislativo no debate das eleições municipais. Isso ocorre, segundo ela, porque os cidadãos enxergam o cargo de prefeito como uma figura que organiza o município, que toma decisões, que executa ações. “Há uma noção de que o prefeito é o que resolve problemas da cidade, apresentando para isso um plano de governo. E, para o cidadão, o papel do Legislativo, na tomada de decisão, é muito limitado. Muitos não conseguem compreender o que faz um vereador, quais são as suas funções e suas contribuições para o interesse público”, destaca a cientista política.

Por outro alado, avalia Rosana, as campanhas eleitorais, por uma questão de estratégia partidária, o candidato a prefeito é colocado como figura central no processo eleitoral. “Isso reverbera em todas as ações de campanha, impactando em candidaturas para o Legislativo”.

Em uma perspectiva de educação política, reflete a professora, essas percepções refletem o distanciamento entre cidadãos e poderes locais, principalmente com relação ao Legislativo. E isso, diz ela, impacta na governança democrática, porque se o cidadão não percebe o Legislativo como um poder importante que demande sua atenção no processo eleitoral, também não percebe a importância desse poder na vida pública local. “E uma democracia necessita do equilíbrio dos poderes para o bom funcionamento”, frisa ela.

Reginaldo Perez, docente da área de ciência política, concorda com a ideia de que a campanha ao Executivo é mais valorizada no que tange à disputa ao cargo do Executivo. Para ele, uma das causas é bem simples: “o prefeito é a maior figura pública do município”. Por outro lado, destaca ele, há o fato de que vereadores/as são em maior quantidade, havendo pluralidade de representações partidárias, o que geraria uma certa diluição na atuação destes.


Ao ser questionado sobre os impactos do formato da eleição deste ano, em que a exibição do horário político convencional está destinada a candidatos/as ao Executivo, ficando candidatos/as ao Legislativo para os espaços “comerciais” na programação das tevês com sinal aberto, se essa metodologia seria um exemplo da secundarização de candidatos/as ao Legislativo, Perez diz que ainda é cedo para uma avaliação mais definitiva.

Na visão do cientista político, há vantagens e desvantagens em tais procedimentos. “Atentemos que as candidaturas ao Legislativo têm a vantagem de ‘surpreender’ os eleitores no curso da programação dos meios de comunicação, enquanto o horário eleitoral convencional é pré-definido – assiste quem quer”, argumenta o professor. “Mas, admito que é de se saber se esse ‘divórcio’ entre as temporalidades da propaganda aos cargos executivos e aos cargos legislativos produzirá alguma consequência maior”, afirma Perez.

A educação e as campanhas eleitorais

De que forma a educação deveria ser tratada nas campanhas eleitorais?

A essa pergunta, a professora Rosana Soares Campos responde de forma taxativa:
“Primeiramente, focar exclusivamente no que a lei determina – educação infantil e ensino fundamental. Tem candidato que não sabe nem essas diferenças de responsabilidades. Para mim, uma boa proposta educacional precisa ir além de métricas e rankings. Necessita evidenciar como vai valorizar o profissional da educação, como o estudante vai receber uma educação de qualidade, como a infraestrutura das escolas e creches municipais será melhorada para atender de forma digna docentes e discentes, como vai ampliar vagas nas escolas e creches, como vai implementar efetivamente uma política de inclusão, etc. Os programas devem  evidenciar o compromisso de oferecer condições dignas de trabalho ao profissional e de aprendizado ao estudante”, enfatiza a cientista política.

Reginaldo Perez defende que a educação deveria ser abordada de forma “absolutamente positiva”. Para ele, isso não se refere somente às responsabilidades municipais na gestão do ensino básico, com a administração de sua rede de escolas, que, em regra, atendem aos grupos socialmente mais vulneráveis. No entendimento do professor de ciência política, o bom tratamento deveria se dar em função de que o “tema da educação é um dos que mais interpela eleitores e eleitoras”. Traduzindo em miúdos: “falar (bem) de educação dá votos”, ressalta Perez, que ainda faz um complemento: “educação é tema universal, tanto para a esperança de ascensão social dos pobres quanto para a confirmação estatutária dos setores médios e das elites”.

Mas, na prática, como esse tema tão fundamental é tratado pelos candidatos e candidatas?

Na visão dos professores Leonardo Botega e Moacir Bolzan, do Colégio Politécnico da UFSM, os candidatos ao Executivo e Legislativo de Santa Maria abordam de forma insuficientes as propostas ligadas à educação, mesmo que esta seja um dos pilares para o bom funcionamento e progresso de uma cidade.

Pensar em infraestrutura escolar adequada, currículo adaptado às realidades das e dos estudantes, pedagogia inclusiva, oferta de merenda de qualidade e condições de trabalho apropriadas aos/às docentes são pontos que deveriam estar sendo pensados pelos interessados em assumir a gestão municipal, no entendimento Leonardo Botega.

Afinal, a educação infantil e o ensino fundamental ‘’são responsáveis pelos primeiros passos das crianças no mundo do ensino-aprendizagem, ou seja, pelo período onde elas desenvolvem muitas de suas principais habilidades’’, logo, precisam receber a devida atenção nas propostas de governo, destaca ele.

Moacir Bolzan vai mais além e percebe um olhar diferenciado ao analisar o discurso de candidatos/as. Para o docente, o aspecto mais revelador na construção dos discursos de candidatos e candidatas é a não abordagem direta da temática educacional. Para ele, a partir disso, os políticos “tentam construir um entendimento acerca do novo papel do Estado, em sentido amplo, na vida dos cidadãos”. Essa estratégia, conforme Bolzan,  não mostra a previsão dos dispositivos constitucionais para  as atuações distintas das esferas administrativas do Estado nas questões educacionais.

O resultado dessa abordagem, avalia ele, fragiliza todo o aparato legal que não oferece mais as garantias suficientes para evitar a mudança de rumos da educação. “E, ao sinalizar para um modelo de gestão pública gerencial cujos controles deixam de basear-se nos processos para concentrar-se nos resultados, resulta em um abandono da profissionalização da administração pública”, frisa. “Desse modo, as políticas sociais que não sejam produtivas começam a paralisar, e o Estado se encaminha  para uma relação mínima com os seus cidadãos”, finaliza.

Íntegra das perguntas e respostas

Moacir Bolzan

1.Qual a importância do processo eleitoral municipal para a sociedade?

Resposta– Penso que as recentes catástrofes (covid 19 e enchentes) serviram para mostrar, ainda mais,  o quanto as decisões políticas próximas que passam por prefeitos e vereadores podem agilizar a resolução de problemas que ocorrem na esfera política mais próxima da vida das pessoas. Mesmo as decisões que dependem de instâncias políticas mais distantes se demandadas pela seara política próxima,  apresentam maior legitimidade no atendimento. Essas situações refletem a perspectiva de que a maioria das ações que nos influenciam são desenvolvidas nos municípios, havendo uma maior proximidade entre eleitores e candidatos. Por outro lado, é importante alertar, que nas relações próximas é que ocorrem as “trocas de favores” tão perversas nas práticas políticas convertidas frequentemente crimes eleitorais.

2. Há uma certa tendência de eleitor/a valorizar mais a escolha ao Executivo e valorizar menos candidaturas ao legislativo. Na sua opinião, essa premissa é verdadeira? Por qual motivo? E qual o prejuízo para a democracia?

Resposta– Um argumento passível de justificar o quanto esta premissa é verdadeira parte do aspecto quantitativo,  pois,considerando o atual contexto numérico confronta que nesta eleição serão escolhidos 5.570 prefeitos e 57.420 vereadores. Isto revela uma proporção de 11 vereadores para cada prefeito eleito. Aliado a isso, pode-se considerar que o eleitor brasileiro tem no imaginário, um legado político autoritário, tendo no prefeito uma alternativa rápida  para a solução dos seus problemas.

Ainda, é importante  destacar que a separação de poderes, intrínseca à democracia, só produz os resultados esperados quando executivo, legislativo e judiciário cumprem seus papeis institucionais. Quando um desses poderes se submete ou delega suas responsabilidades para os demais, ocorre uma anormalidade política. No Brasil as articulações no legislativo federal são um péssimo exemplo e os mais evidentes remetem a uma lentidão na tomada de decisões, bem como à ocupação de espaços de poder Legislativo pelo Executivo e Judiciário. A frequência com que os outros poderes suprem a produção legislativa coloca em xeque o Estado de Direito, seus pilares de sustentação e a versão da democracia definida como representativa. 

3. O horário eleitoral convencional está  a candidaturas do executivo, enquanto as do legislativo ficaram distribuídas na propaganda ao longo da programação dos veículos. Isso não demonstraria que há certo desapreço ao Legislativo?

Resposta– As motivações expostas na questão anterior ajudam a ratificar este pensamento. No entanto, o horário  eleitoral está demasiadamente a serviço da personalização do processo eleitoral, fortalecendo as relações pessoais entre eleitor e candidato, em detrimento da formação de partidos políticos identificados com ideologias e programas bem definidos. E, sendo assim, as estratégias das campanhas, nos períodos eleitorais se reduzem ao marketing e isso significa um empobrecimento no campo das ideias e um fortalecimento das regras de mercado, também na dimensão da política.

Essa situação requer mais cuidados na fiscalização, fato, não raras vezes, muito real na vida política atual.

4. De que forma, na sua avaliação, a educação deve ser contemplada nos programas dos candidatos nas diferentes esferas de poder?

Resposta– Não respondo a questão da forma como deveria ser a educação, mas da forma como tenho observado nos programas dos candidatos. Na minha percepção,  o aspecto mais revelador na construção dos discursos dos candidatos é a não abordagem direta da temática educacional e, a partir disso, tentam construir um entendimento acerca do novo papel do Estado, em sentido amplo, na vida dos cidadãos. Esta estratégia não mostra a previsão dos dispositivos constitucionais para  as atuações distintas das esferas administrativas do Estado nas questões educacionais. Dessa forma, se fragiliza todo o aparato legal que não oferece mais as garantias suficientes para evitar a mudança de rumos da educação. E, ao sinalizar para um modelo de gestão pública gerencial cujos controles deixam de basear-se nos processos para concentrar-se nos resultados, abandona-se a profissionalização da administração pública. Desse modo, as políticas sociais que não sejam produtivas começam a paralisar e o Estado se encaminha  para uma relação mínima com os seus cidadãos. Esta situação exige permanentes reformas das estruturas estatais no sentido de que cada esfera administrativa  transfira para o setor privado as atividades que podem ser controladas pelo mercado. E a Educação vai junto.


Rosana Soares Campos


1. Qual a importância do processo eleitoral municipal para a sociedade?

Resposta
– O município é onde o poder público mais se aproxima do cidadão. É o espaço no qual é possível exercer com mais força a responsividade, o compromisso entre governo local e os cidadãos. Por esta razão, o processo eleitoral é um momento crucial, quando o cidadão tem a oportunidade de escolher candidatos comprometidos com a boa governança local, com o interesse público.


2
. Há uma certa tendência de eleitor/a valorizar mais a escolha ao Executivo e valorizar menos candidaturas ao Legislativo. Na sua opinião, essa premissa é verdadeira? Por qual motivo? E qual o prejuízo para a democracia?


Resposta
– Para mim há duas observações a serem feitas aqui: 1) como os cidadãos enxergam o cargo Executivo – o prefeito é a figura que organiza o município, que toma decisões, que executa ações, como um todo. Há uma noção de que o prefeito é o que resolve problemas da cidade, apresentando para isso um plano de governo. Para o cidadão, o papel do Legislativo, na tomada de decisão, é muito limitado. Muitos não conseguem compreender o que faz um vereador, quais são as suas funções e suas contribuições para o interesse público; e 2) como as campanhas para cargos do Executivo e do Legislativo são realizadas. O exemplo mais visível é a distribuição do tempo e espaço na propagada eleitoral. O candidato a prefeito é colocado como figura central no processo eleitoral, uma estratégia partidária. Isso reverbera em todas as ações de campanha; impactando em candidaturas para o Legislativo.  Em uma perspectiva de educação política, essas percepções refletem o distanciamento entre cidadãos e poderes locais, principalmente com relação ao Legislativo. Impacta sim na governança democrática, porque se o cidadão não percebe o Legislativo como um poder importante que demande sua atenção no processo eleitoral também não percebe a importância desse poder na vida pública local. E uma democracia necessita do equilíbrio dos poderes para o bom funcionamento.    


3. O horário eleitoral convencional está destinado a candidaturas do Executivo, enquanto as do Legislativo ficaram distribuídas na propaganda ao longo da programação dos veículos. Isso não incentiva essa secundarização do Legislativo?

Resposta– Respondida na questão dois


4.
De que forma, na sua avaliação, a educação deve ser contemplada nos programas dos candidatos nas diferentes esferas de poder municipal?

Resposta– Primeiramente, focar exclusivamente no que a lei determina – educação infantil e ensino fundamental. Tem candidato que não sabe nem essas diferenças de responsabilidades. Para mim, uma boa proposta educacional precisa ir além de métricas e rankings. Necessita evidenciar como vai valorizar o profissional da educação, como o estudante vai receber uma educação de qualidade, como a infraestrutura das escolas e creches municipais será melhorada para atender de forma digna docentes e discentes, como vai ampliar vagas nas escolas e creches, como vai implementar efetivamente uma política de inclusão, etc. Os programas devem  evidenciar o compromisso de oferecer condições dignas de trabalho ao profissional e de aprendizado ao estudante. Penso também que os cidadãos necessitam ficar atentos aos candidatos que oferecem soluções ‘mágicas’de coaching educacional.  Problemas públicos, como educação, devem ser tratados com seriedade.       


Leonardo Botega

1. Qual a importância do processo eleitoral municipal para a sociedade?

Resposta– A cidade é o local por excelência da vida das pessoas. O poder municipal é o poder mais próximo da sociedade e é dele que depende boa parte do funcionamento das políticas públicas. A educação, a saúde, a assistência social, a política habitacional são políticas descentralizadas que dependem das prioridades estabelecidas pelos governos municipais. Por isso, a importância das prefeituras. Ao mesmo tempo, são os processos eleitorais municipais os que mais aproximam as pessoas daqueles que estão inseridos no campo político. Os(as) candidatos(as) a prefeito(a) e vereador(a) são pessoas que, na maioria das cidades, estão presentes no cotidiano da sociedade.

2. Há uma certa tendência de eleitor/a valorizar mais a escolha ao Executivo e valorizar menos candidaturas ao Legislativo. Na sua opinião, essa premissa é verdadeira? Por qual motivo? E qual o prejuízo para a democracia?

Resposta– Concordo, as pesquisas normalmente demonstram isso. É comum que a maioria das escolhas de voto para vereança seja definida nos últimos momentos do processo eleitoral. É comum também que a escolha dos(as) vereadores(as) seja diferente da escolha do prefeito, pois é vista como algo menor. A estrutura do sistema político brasileiro é uma estrutura que historicamente fortalece o executivo, sobretudo, em termos de controle orçamentário. Mais recentemente esse processo começou a ser relativizado com a criação inclusive de uma série de aberrações, principalmente no âmbito federal, como o orçamento secreto, as emendas de relatoria, etc, mas também em alguns municípios, com as chamadas emendas impositivas que estão em vigor em Santa Maria. Por isso, as pessoas priorizam a eleição do prefeito em detrimento da eleição para vereador(a). Ao mesmo tempo, existe uma cultura política que não vê o espaço da Câmara de Vereadores como um espaço de definições da grande política, mas sim, como um espaço de despacho de demandas a serem levadas ao executivo pelo o(a) vereador(a). Isso reduz a ação do(a) vereador(a) a uma mera política clientelista e fortalece a personificação. Por isso, muitas vezes a escolha é feita por proximidade pessoal, o meu amigo, o meu vizinho, o cara que conseguiu fazer o governo tapar o buraco da minha rua, enfim. Isso enfraquece muito a democracia, pois enfraquece o debate sobre concepção de cidade.      

3. O horário eleitoral convencional está destinado a candidaturas do Executivo, enquanto as do Legislativo ficaram distribuídas na propaganda ao longo da programação dos veículos. Isso não demonstraria que há certo desapreço ao Legislativo?

 Resposta– Com toda certeza. As mudanças nos programas eleitorais que terminaram com o horário eleitoral especifico às proporcionais enfraqueceu muito a eleição para os legislativos. Com a distribuição das inserções ao longo da programação e o horário de aparecimento das candidaturas definidos por sorteio, muitas candidaturas não são vistas por um número significativo de pessoas. Muitas pessoas acabam inclusive desconhecendo boa parte dos(as) candidatos(as). Quem ganha com isso? Quem já possuí mandato e quem possuí condições financeiras que possibilitam o fortalecimento do uso de outras formas de propaganda. É uma forma de impedir a renovação. 

4) De que forma, na sua avaliação, a educação deve ser contemplada nos programas dos candidatos nas diferentes esferas de poder?

Resposta– Pela LDB, os municípios são os grandes responsáveis pelas primeiras etapas do processo educacional, a educação infantil e o ensino fundamental, principalmente, os anos iniciais. São responsáveis, portanto, pelos primeiros passos das crianças no mundo do ensino-aprendizagem, ou seja, pelo período onde elas desenvolvem muitas de suas principais habilidades. Isso não é pouca coisa! Desta primeira formação dependem muitas das atividades que são propostas nos anos seguintes. Por isso, a importância de se pensar a educação inicial como uma etapa estratégica, o que requer pensar questões como: infraestrutura adequada, currículo atraente e adequado às realidades dos estudantes, oferta de merenda escolar de qualidade, uma pedagogia inclusiva, condições adequadas de trabalho para os(as) educadores(as), etc. Questões que não podem ser reduzidas apenas à atuação individual do(a) professor(a) ou da escola, mas sim, como política educacional do conjunto do município. Uma política que não pode ser pensada como imposição da vontade do executivo sobre os(as) educadores(as), mas como uma construção coletiva, democrática, pedagógica, que coloque os(as) próprios(as) educadores(as) e as comunidades escolares no centro das definições. As muitas experiências de constituintes escolares são bons exemplos neste sentido. 

Reginaldo Teixeira Perez

1. Qual a importância do processo eleitoral municipal para a sociedade?

Resposta– É enorme. É nos municípios que as pessoas vivem; é ali que as coisas acontecem e as rotinas se estabelecem. E é no âmbito dos municípios que as pessoas (eleitores e não eleitores) têm contato mais direto com os decisores públicos. Talvez se possa afirmar que é nos municípios – na vida pública dos municípios, bem entendido – que se germinam os valores mais radicalmente democráticos. Dito de maneira mais simples: é nos municípios que as pessoas se aproximam da política. Uma eleição municipal, como a que teremos daqui a algumas semanas, produz aprendizado político – sentindo-se as pessoas vencedoras ou derrotadas.

2. Há uma certa tendência de eleitor/a valorizar mais a escolha ao Executivo e valorizar menos candidaturas ao Legislativo. Na sua opinião, essa premissa é verdadeira? Por qual motivo? E qual o prejuízo para a democracia?

Resposta– Sim, a premissa é verdadeira por um motivo bem comezinho: o prefeito é a maior figura pública de um município – e se trata de um cargo singular. Os vereadores são sempre plurais – e às vezes (dependendo da cidade) em grande número. Em Santa Maria, por exemplo, são 21 cadeiras. De outra forma, as atividades de um parlamento municipal são um pouco mais limitadas quanto ao impacto de suas ações sobre a sociedade – a não ser em situações excepcionais. Uma presença um pouco maior tem aqueles vereadores que, apoiando o governo municipal, conseguem se associar às atividades afeitas ao Poder Executivo – tais como a feitura de obras, por exemplo.

3. O horário eleitoral convencional está destinado a candidaturas do Executivo, enquanto as do Legislativo ficaram distribuídas na propaganda ao longo da programação dos veículos. Isso não incentiva essa secundarização do Legislativo?

Resposta– É possível que sim. Mas creio que ainda é cedo para uma avaliação mais definitiva. Há vantagens e desvantagens em tais procedimentos. Atentemos que as candidaturas ao Legislativo têm a vantagem de “surpreender” os eleitores no curso da programação dos meios de comunicação, enquanto o horário eleitoral convencional é pré-definido – assiste quem quer. Mas admito que é de se saber se esse “divórcio” entre as temporalidades da propaganda aos cargos executivos e aos cargos legislativos produzirá alguma consequência maior.

4. De que forma, na sua avaliação, a educação deve ser contemplada nos programas dos candidatos nas diferentes esferas de poder municipal?

Resposta– De forma absolutamente positiva – em todos os âmbitos. E afirmo isso não somente em face das responsabilidades municipais na gestão do ensino básico, com a administração de sua rede de escolas – as quais, em regra, atendem aos grupos socialmente mais vulneráveis. Mas também porque o tema da educação é um dos que mais interpela eleitores e eleitoras. Bem compreendido: falar (bem) de educação dá votos. Mais ainda: educação é tema universal – tanto para a esperança de ascensão social dos pobres quanto para a confirmação estatutária dos setores médios e das elites.

Texto: Fritz Rivail e Laurent Keller
Arte: Xainã Pitaguary
Fotos: Arquivo pessoal

Fritz Nunes

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