PEC 32 desmonta proteção social no Brasil, alertam debatedores em live do Sinasefe

 PEC 32 desmonta proteção social no Brasil, alertam debatedores em live do Sinasefe

Assessor jurídico destaca impactos negativos da proposta aos atuais servidores

Se a Reforma Administrativa vem para combater privilégios, por que excetua, de suas mudanças, magistrados, promotores, alta cúpula do Executivo, militares e parlamentares – que são a “nata” detentora dos maiores salários do serviço público? 

Se o objetivo é, supostamente, melhorar a qualidade dos serviços prestados, porque o governo Bolsonaro e seu ministro Paulo Guedes, que assina a proposta, não chamaram servidores, entidades e movimentos sociais para que pudessem participar do debate, apresentando os principais gargalos e debilidades da rede pública, sob a perspectiva de quem recorre a ela diariamente? 

Se mais de 65 milhões de pessoas precisaram do auxílio emergencial para conseguir comer durante a pandemia, como ficam essas pessoas em caso de ser aprovada uma Reforma que destrói a rede de proteção social, facilita a privatização de serviços essenciais prestados pelo Estado e precariza as condições de trabalho dos servidores que atendem a toda essa população vulnerável?

Esses foram alguns questionamentos sugeridos por Ed Fábio Agapito, membro da direção nacional do Sinasefe, durante live promovida pela seção sindical de Santa Maria na última quarta-feira, 18 de agosto, Dia Nacional de Mobilização contra a Reforma Administrativa (PEC 32/20), em defesa dos serviços públicos e em denúncia às políticas ofensivas do governo Bolsonaro. 

Junto a Ed, participaram também do debate a técnica em assuntos educacionais do IFF e coordenadora do Sinasefe São Vicente do Sul, Adriele Machado Rodrigues, e o assessor jurídico do Sinasefe Santa Maria, Heverton Padilha. A mediação ficou por conta da professora Adriana Bonumá, diretora da seção sindical. 

Conjunto de maldades 

Não há como compreendermos a PEC 32 se a isolarmos do cenário mais amplo de ataques desferidos pelos últimos governos contra a população brasileira, pondera Ed, para quem a Reforma é mais um dos projetos que visam reduzir o Estado ao mínimo possível. Se no governo de Michel Temer tais perspectivas já estavam no horizonte – e balizaram a aprovação, por exemplo, da Emenda Constitucional 95 e da Reforma Trabalhista -, com Bolsonaro e sua política ultraliberal, os golpes se acentuaram. 

“Estamos sofrendo ataques atrás de ataques. Reforma da Previdência, privatizações (como dos Correios e da Eletrobrás)… A PEC vem, então, inserida dentro de um projeto maior de sucateamento e entrega do Estado à iniciativa privada. Não teremos um melhoramento dos serviços públicos. Trata-se de um duro golpe às políticas sociais que conquistamos com muito custo. Estamos falando de educação, de saúde, de saneamento básico, de energia, de segurança, de abastecimento de água, de correios. É o povo trabalhador que necessita desses serviços públicos”, salienta o dirigente. 

As portas que a Reforma Administrativa escancara para o setor privado são absolutamente danosas também porque podem brecar o avanço dos filhos e filhas da classe trabalhadora, reflete Ed Agapito. “O único meio que temos de galgar movimentos dentro da pirâmide social é através da educação. Então, se entregarmos a educação pública a entes privados, como é uma das prerrogativas subliminares nessa PEC, a gente deixa de ter perspectivas de emancipação social”. 

Outra forma de precarizar os serviços públicos, pondera o diretor nacional, é sucateando as carreiras, extinguindo os regimes jurídicos únicos dos servidores e praticamente terminando com o direito à estabilidade – que garante proteção aos funcionários para denunciarem situações de corrupção observadas em locais públicos.  

“O desafio sindical que temos é desmistificar o discurso oficial de que a reforma não afetará os servidores que já estão na ativa. Precisamos colocar a cara na rua, dialogar com a sociedade, realizar assembleias, lives, construir comandos de mobilização, sensibilizar e pressionar vereadores, prefeitos, deputados e governadores, fomentar campanhas de mídias sociais e movimentar todos os nossos aparatos de militância para que essa PEC não passe”, perspectiva Ed. 

Demissão facilitada

Alguns aspectos da PEC 32 que mais têm causado angústia nos servidores são a quase extinção da estabilidade, o enfraquecimento do concurso público e a facilidade para efetivar demissões. Hoje, destaca Adriele Rodrigues, do Sinasefe São Vicente do Sul, os servidores públicos podem perder seus cargos de três maneiras: através de processo judicial em que a sentença foi transitada em julgada (ou seja, todas as possibilidades de recurso já foram esgotadas); de avaliação periódica de desempenho, implementada por Emenda Constitucional em 1998; e de processo administrativo interno. A PEC mexe nas duas primeiras maneiras de se levar um servidor à demissão. 

No que tange ao processo judicial, uma das alterações mais assustadoras da proposta diz respeito à possibilidade de que o servidor seja demitido já a partir de uma sentença em tribunal colegiado, não necessitando do trânsito em julgado. “Isso significa que, a partir da segunda instância, com uma decisão desfavorável ao servidor, ele já pode perder o cargo”, esclarece Adriele. 

Já no que diz respeito à avaliação de desempenho, a PEC propõe uma regulamentação, por meio de lei, que não esclarece quais os critérios a serem levados em consideração para aferir a qualidade do trabalho. “Com esse governo, como seria a avaliação de desempenho? Com certeza baseada na meritocracia”, avalia, problematizando o fato de que tal avaliação poderia carecer de objetividade, sendo permissiva a perseguições ou apadrinhamentos políticos. 

E tal possibilidade torna-se ainda mais concreta, enfatiza Adriele, se considerarmos que o texto da Reforma Administrativa enfraquece o concurso público como porta prioritária de ingresso no serviço público, dando, na prática, fim ao princípio de impessoalidade. Dos cinco novos vínculos inaugurados pela PEC, só dois teriam o ingresso mediante concurso público. Para os demais, o texto não esclarece qual metodologia de seleção será aplicada. “Isso abre margem para contratações por afinidades político-partidárias”, preocupa-se. 

Já quanto aos cargos previstos na PEC, um dos que mais preocupa a dirigente do Sinasefe São Vicente é o cargo de liderança e assessoramento. Hoje, cargos de confiança são ocupados por servidores de carreira. Com a nova proposta, poderão ser preenchidos por quaisquer pessoas, podendo privilegiar os “amigos do rei, que estariam mais preocupados em atender quem lhes deu aquela vaga, em proteger seu mandatário, que em atender o cidadão. Dá muita margem para a corrupção. Por isso prezamos tanto pelo concurso público. A PEC tira o foco do concurso, cria outras formas de ingresso, dá margem para contratação de serviços por empresas privadas”, critica Adriele, propondo um exercício imaginativo: como seria um cenário em que os servidores da Educação fossem contratados por empresas privadas, por exemplo? Como se daria esse processo seletivo? 

Impactos na Educação 

Enfraquecimento do concurso público, flexibilização da estabilidade, facilitação de demissões… que impactos essas previsões da PEC 32 terão na Educação? Para Adriele, fica claro que toda essa precarização gerará sobrecarga aos servidores da ativa e afetará negativamente a qualidade da formação oferecida nas escolas, institutos e universidades. 

“Primamos por um processo continuado na Educação. Daqui a pouco aquele servidor que estava ali trabalhando em um projeto, é demitido. Isso realmente influencia na qualidade. Eles estão promovendo uma ‘uberização’ da Educação”, sugere a técnica, alertando, também, para um possível estímulo à militarização das escolas previsto no parágrafo 4 do artigo 142 da Reforma, que autoriza militares da ativa a acumularem cargos nas áreas de Saúde e Magistério, por exemplo. “Poderemos ter uma disseminação de militares assumindo cargos de docência e gestão”. 

Por fim, Adriele diz que os servidores ligados à Educação, que acreditam em um processo humanizado de formação, serão penalizados se obrigados a trabalharem sob a lógica do mercado e da meritocracia. 

Consequências para os atuais servidores 

Ao contrário do que governo e grande mídia propagandeiam, a Reforma Administrativa poderá, sim, penalizar os atuais servidores. Segundo Heverton Padilha, assessor jurídico do Sinasefe Santa Maria, as consequências da aprovação da proposta para quem já está na ativa serão da ordem direta e indireta. 

Um impacto negativo direto seria, por exemplo, a vedação de aumentos retroativos, tanto referentes a parcelas indenizatórias, quanto remuneratórias. “Aumentos retroativos significam eventuais parcelas que possam ter sido sonegadas ou concedidas em atraso pela Administração, e eles não serão reconhecidos”, explica Padilha, afirmando que o dispositivo da PEC que trata de tal vedação não especifica que ela só seria aplicada aos novos servidores, de forma que se trata de uma norma genérica autoaplicável a todos os servidores. 

Outra consequência da aprovação da PEC para os atuais funcionários públicos é a vedação de pagamento de parcelas referentes, por exemplo, a funções de confiança, ações de indenização ou bônus dos mais variados tipos aos servidores que estiverem em licença ou afastamento, mesmo que o afastamento seja considerado efetivo exercício de serviço público. Ou seja, durante esse período, só poderão receber o vencimento base. 

Ainda que a PEC 32 não retire diretamente a estabilidade dos atuais servidores, ela pode, sim, coloca-la em cheque através dos dispositivos que facilitam as demissões (como a não necessidade do trânsito em julgado nos processos judiciais, e a avaliação de desempenho, ainda turva e sem critérios definidos).  

Como consequências indiretas da aprovação da PEC, Padilha cita a fragilização do movimento sindical, já que, dentro de uma mesma esfera, existirão diversos tipos de servidores – desde os atuais, com plano de carreira e estabilidade, passando pelos cargos típicos de Estado e chegando até os servidores por tempo determinado e indeterminado, com pouquíssimos direitos e garantias. Tamanha fragmentação dificultará a atuação unificada das categorias. 

A fragilização do regime previdenciário também é um ponto a ser levado em consideração, visto que a maioria dos novos servidores contribuirá para o regime geral de previdência, e não para o regime próprio.  

As negociações com o governo também estarão fragilizadas, uma vez que, com os atuais servidores se aposentando, e com os novos servidores precarizados e sem direitos ingressando, não haverá movimento sindical forte o suficiente para pressionar por abertura de diálogo. “Quem vai discutir plano de carreira, reajuste, já que o governo não negocia com aposentado? Então há, sim, consequências bastante sérias”, argumenta o assessor. 

Fases da Reforma

Padilha ainda lembra que a PEC 32 é apenas a primeira das três fases previstas para a Reforma Administrativa. 

“Na primeira fase, a PEC vai afastar as eventuais inconstitucionalidades do texto, possibilitando a implementação do projeto ideológico do governo nas próximas fases da Reforma. A PEC prepara o terreno para que possam ser feitas as próximas alterações dispositivas [nas próximas fases]. A segunda fase é a regulatória e a terceira vem sendo chamada de Novo Marco Regulatório das Carreiras, que será uma tentativa de uniformizar as carreiras no âmbito do serviço público”, comenta Padilha. Ele explica que as leis ordinárias e complementares que virão nas duas fases posteriores da PEC poderão inclusive mexer nos direitos já adquiridos dos servidores. Ou seja, aprovar a PEC 32 é aprovar um cheque em branco. 

Tramitação 

A PEC 32 foi apresentada em setembro de 2020 pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional. Desde lá, foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e agora está sob avaliação de uma comissão especial na mesma Casa. 

Padilha explica que, na CCJ, o texto original sofreu algumas alterações, a exemplo da exclusão dos novos princípios por ele previstos (como o princípio de subsidiariedade entre o setor público e privado) e também do dispositivo que concedia superpoderes ao presidente da República para extinguir entidades da administração pública, autárquica e fundacional.

“Apesar do princípio de subsidiariedade ter sido retirado do texto, segue implícito a todo momento, dando prioridade à atuação da iniciativa privada e possibilitando o aumento das terceirizações”, avalia o assessor, que complementa: “a Reforma vem para usurpar direitos e dificultar acesso da população aos serviços públicos”. 

Padilha informa também que, na última semana, o Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou ao governo federal que apresente dados relativos às possíveis vantagens econômicas trazidas pela PEC 32. Até então, tais análises não foram divulgadas, o que já indica falta de transparência na construção da proposta. 

“A derrota da PEC 32 é a vitória do povo brasileiro”

Ao final do Encontro Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Serviço Público, ocorrido nos últimos dias 29 e 30 de julho, as entidades presentes lançaram um manifesto projetando os próximos passos da luta contra a Reforma Administrativa e contra o governo Bolsonaro. 

“A derrota da PEC-32 é a vitória do povo trabalhador brasileiro”, diz trecho do manifesto, que pode ser lido, na íntegra, aqui

Quem perdeu a live do Sinasefe Santa Maria sobre a Reforma, pode assisti-la na íntegra em nosso canal do Youtube. Como disse a coordenadora Adriana Bonumá: “Quanto mais conhecermos a proposta, mais ferramentas teremos para resistir a ela.  Conclamamos a todos e todas que se juntem a nós nessa luta”. 

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