Dia da Consciência Negra reforça luta antirracista e celebra aprovação do PL que define cotas raciais em concursos do município
Neste 20 de novembro, discute-se as desigualdades e violências que permanecem açoitando negros e negras no Brasil até hoje, e também se celebra os avanços recentes que o movimento negro conquistou. Um desses é o PL nº 9251/2021, que determina 20% de cotas raciais em concursos públicos municipais, aprovado no último dia 4 de novembro, na Câmara dos Vereadores de Santa Maria.
Isadora Bispo, advogada, produtora cultural, integrante da Associação Ara Dudu e coordenadora jurídica do Movimento Negro Unificado (MNU), explica que o Dia da Consciência Negra é relevante para a sociedade debater sobre Zumbi, Dandara, Oliveira Silveira e outros grandes representantes do movimento negro, bem como para dialogar sobre a situação dos negros e negras atualmente no Brasil. Entretanto, a advogada ressalta que:
‘’A educação antirracista deve ser uma ação permanente. Na matriz africana, existe o termo autoparir para definir quando o sujeito negro se encontra com sua consciência negra reconhecendo a si em sua plenitude. […] Para nós, a luta é cotidiana, queremos espaço (aquele que nos foi relegado) e respeito com as nossas pautas e representações.’’
Em convergência à fala de Isadora, Luiz Bonetti, estudante de direito, integrante do DCE-UFSM e do MNU, afirma que a educação tem papel fundamental na luta contra o racismo, porque detém o poder de realizar transformações sociais, não somente no presente, mas também a longo prazo.
‘’Conseguir fortalecer as políticas antirracistas dentro das escolas e das universidades tem um impacto direto na permanência [nesses ambientes] de estudantes negros e negras. E não tem como não falar sobre a evasão escolar, que é causada pela falta de suporte a alunos para conseguirem permanecer nos estudos, e também pelo racismo cotidiano, que é presenciado e sentido por estudantes negros e negras e que, normalmente, não recebem a importância que deveriam receber’’, reforça Bonetti.
Projeto de Lei de cotas raciais nº 9251/2021
O projeto destina 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para cargos da administração direta e indireta do município para pessoas negras e demais integrantes de grupos étnicos e sociais minoritários. Apesar de ainda precisar da sanção do prefeito Jorge Pozzobom, o PL já é comemorado pelo movimento negro, por representar um reconhecimento do Poder Legislativo acerca da necessidade de reparação aos negros e negras santa-marienses.
A adoção de cotas não é um privilégio dado aos negros e negras, nem representa um ‘’roubo’’ de vagas, como certos grupos sociais têm afirmado erroneamente nos últimos anos. Em realidade, as cotas servem para que determinados conjuntos sociais que se encontram de alguma forma em desvantagem ao restante da população se equiparem a esse grupo. Tal medida já se mostrou eficaz em outros cenários também marcados pela desigualdade racial, como no acesso às universidades federais.
A Lei de Cotas nº 12.711/12, em menos de 10 anos, já aumentou a presença de negros nas universidades brasileiras em 400%, segundo dados do IBGE, chegando a 38,15% do total de matriculados. Vale ressaltar que os pretos e pretas no Brasil representam 56% da população, o que demonstra que, mesmo com os significativos avanços proporcionados pelas cotas, ainda há muito caminho a ser percorrido, além de desmentir o discurso de que cotas são um privilégio.
Analisando aspectos históricos, Isadora comenta: ’’A educação, historicamente, foi e continua sendo um espaço excludente no Brasil. As leis no período imperial e mesmo no início da República traziam como cerne a completa ausência de qualquer iniciativa em relação à população negra. Ao contrário, parte desta legislação impedia o acesso aos bancos escolares por parte dos negros. A herança deste período perdura até hoje, onde a maioria da população ainda não está representada nas Universidades.’’
Essa falta de representação no cenário acadêmico não diz respeito somente ao corpo discente, mas também aos professores universitários, que são 67 mil docentes de um total de 400 mil, de acordo com o Censo do Ensino Superior, realizado em 2019 pelo MEC. Isso representa 16,75% de todos educadores, número que só não é menor em decorrência da implementação de cotas em concursos públicos. Na UFSM, dos 2.029 docentes, apenas 9 são negros e negras.
Nesse sentido, para Isadora, o desafio atual ‘’[…] é democratizar a universidade e reconhecer o conhecimento ancestral dos povos originários e das comunidades tradicionais, aproximando discursos e aprimorando currículos.’’
Por uma consciência social antirracista
Roselene Pommer, Secretária de Comunicação, Formação Política e Sindical do Sinasefe Santa Maria, acredita que o grande desafio é que a universidade, em conjunto com a educação básica e com movimentos sociais, promova a formação de uma consciência social antirracista, respeitosa, humanitária e coletiva.
“Parece-me que a resposta para essa questão deva centrar-se em uma análise de mão dupla: devemos, primeiramente, admitir que vivemos e somos responsáveis pela produção de uma sociedade racista. Se essa situação social nos incomoda, nos aflige, como quero crer que seja, cabe a nós enquanto sujeitos de um corpo social transformá-lo. As estruturas formais de educação, enquanto parte institucionalizada desse corpo, devem ser instrumentos de transformação, mas não como absoluto, e sim como resultado de interações entre os sujeitos que a compõem. Para tanto, penso que seja necessário um trabalho voltado para a formação da consciência social dos indivíduos, uma consciência antirracista, respeitosa, humanitária e coletiva no que diz respeito aos direitos de todos, o que poderá ser alcançado, também, mas não apenas, por uma educação afro-latina, capaz de romper com os pressupostos eurocentrados e colonialistas”, defende a dirigente.
E o movimento sindical teria um papel fundamental na luta contra a opressão racial, tendo em vista, também, que esta vem perpassada pelas questões de classe. Roselene pondera que, em um país de capitalismo periférico e dependente como o Brasil, são os trabalhadores negros e negras os que mais sofrem com a precarização do trabalho e com projetos que retiram direitos sociais, trabalhistas e previdenciários.
“Portanto, penso que os sindicatos, como espaços de luta por uma sociedade mais justa e igualitária, não podem se eximir de abraçar pautas antirracistas. Lutar contra o racismo deve ser objetivo de todos nós, mas especialmente daqueles trabalhadores e trabalhadoras brancos e brancas cuja ancestralidade foi a responsável pela sua criação”, comenta a docente.
Atuação da UFSM na luta antirracista
Em Santa Maria, o movimento estudantil é um dos grandes protagonistas na defesa de direitos para negros e negras no ambiente universitário, enquanto a assistência estudantil auxilia esses estudantes a acessarem boa parte dos recursos que a UFSM tem a oferecer. Entretanto, segundo Luiz Bonetti: ‘’As universidades, e aí puxando mais a bola para a UFSM, precisam avançar bastante na implementação de medidas efetivas de combate ao racismo. Infelizmente vira e mexe presenciamos uma prática racista na universidade, e a falta dessas medidas tem feito com que esses casos sejam naturalizados. É preciso pulso firme e priorizar o combate ao racismo para que estudantes negras e negros se sintam mais seguros na universidade.’’
O integrante do DCE lembra que, no próximo ano, haverá a rediscussão sobre a Lei de Cotas, e que a posição da UFSM frente a esse debate será decisiva para que se veja, na prática, qual Universidade está sendo construída.
CEPE aprova ações afirmativas
Em reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) realizada na manhã desta sexta-feira, 19 de novembro, os conselheiros e conselheiras aprovaram, por unanimidade, a instituição de ações afirmativas na pós-graduação. Até o ano de 2024, os cursos deverão fazer seus planejamentos e destinar, obrigatoriamente, um mínimo de 20% e um máximo de 50% de vagas para pessoas negras, pardas, indígenas, com deficiência e pertencentes às demais minorias sociais.
A aprovação das ações afirmativas foi considerada uma vitória rumo a uma universidade que abandone seus espaços embranquecidos e construa, em seu lugar, espaços plurais, democráticos e com forte representação social.
CalendAFRO 2021
O Movimento Negro Unificado, em parceria com demais entidades e movimentos sociais, está realizando uma série de atividades, eventos e manifestações voltadas ao mês da Consciência Negra em Santa Maria. A agenda é chamada de CalendAFRO e pode ser vista, na íntegra, aqui.
Texto: Laurent Keller e Bruna Homrich
Revisão: Bruna Homrich